terça-feira, 5 de novembro de 2013

CHEIROS DE RODEIO


Alguns cheiros e perfumes ficam gravados na alma para sempre. São uma cálida lembrança de pessoas tão queridas que de uma forma ou outra fizeram parte de minha vida.

Tenho-as guardada para sempre no meu coração.
 Há um tempo atrás, sentindo saudades de Rodeio escrevi um texto que mandei para algumas pessoas da minha família. 

O texto fala dos cheiros que sentia na minha infância quando ia de férias visitar minha Nona, meus tios (as) e primos(as),  numa pequena cidade de colonização italiana, em Santa Catarina, terra natal de minha mãe, meus nonos. Minha terra natal de coração.

Gostaria que meus filhos pudessem senti-los com toda a emoção que eu os senti e ter a mesma sensação quando me lembro deles, mas sei que jamais sentirão da mesma forma que eu... A juventude tem outro caminho.

No fim do texto existe a resposta que recebi da minha tia e de um primo ao lerem o texto.
Adorei suas respostas e por este motivo ficam agora incorporados ao texto, no final. 



Cheiros de Rodeio

Quem não lembra?

- O barulho do assoalho da antiga casa da tia Armide; quem ficava no andar de baixo ouvia o tec, tec dos que estavam em cima, caminhando.

- O cheiro de cola da sapataria do tio Tuca.

- As hortênsias da tia Armide. O barranco que tinha nos fundos  da casa dela. O cheiro da terra úmida em dias de frio e a cores da terra, em camadas, nos lembrando das diferentes eras que a região havia passado.

- A privada (patente) que ficava fora de casa  (hughh! mas me lembro!), e o medo de cair lá dentro quando se usava.

- A Tia Armide conversando com a galinha Gabriela.

- As balas de amendoim (nunca mais achei iguais de tão gostosas) que o Tio Tide distribuía para nós quando era noivo da Tia Cema... e a risada dele...

- Cheiro de muss, polenta, polenta brustolada, o sabão de cinzas da nona (lizzia?).

- Os tortéis de banana com canela  (ainda me arrisco a fazer e a comer...). Os tortéis me lembram a Lilia F. 

- Os cheiros da casa da nona, as madeiras...

- O armário da cozinha da casa da nona ( casolar) feito de madeira, tela de arame pieno di muss, pane, formagi, salami e pani bianchi...

- O cheiro dos ranchos.

-  Biscotti del bambinel e mal di panza .

- Os banhos de canequinha numa bacia grande de alumínio com água salobra e todo mundo reclamando da água e tentando adivinhar o porquê  a água era assim...


- O Cheiro de cravo e pêssego que sentia ao lado da nona Carolina ( será que só eu que sentia esse cheiro???)





- O cheiro dos livros da tia Cema na estante,  e as ilustrações e canções da coleção do  “Mundo da Criança”. Esta coleção foi por mim cobiçada, por anos e agora quando entro num sebo de livros e encontro uma delas jogada, empoeirada, exposta  para a venda chego a  considerar uma heresia.

 - As Tias chamando pelos “matelotti”.

 - O cheiro da venda da tia Cema e da cachaça de ervas que a tia Armide fazia.

- Tia Armide matando sapo com o tamanco e os gambás com uma vara.

- O “cheiro da dor” ao ter descido a rampa da igreja em uma  folha de coqueiro e ter ralado a bunda na terra ou ter sentado dentro do tacho de fazer sabão no fogão de lenha da nona Carolina sem saber que o fogão ainda estava quente. (só quem sentou no tacho sabe como era possível e gostoso,  nas noites frias, ficar lá dentro). E a dor de fato tem cheiro, é como uma cica de caju verde que trava a boca. Lembro até hoje.

 - O jardim lateral da casa do tio Dino cheio de flores, ele fazendo churrasco, e a casa da Tia Lena  "triscando" de tão brilhante, com seus lençóis brancos de renda que nem o "sabão Omo" consegue deixar tão branco.

 - O cheiro e o sabor dos pães de aipim e batata da Cacilda Fava. Tenho a receita, mas até hoje não consegui fazer. A manteiga e o mel que passava sobre o pão. Meu Deus! Que saudades! 

- Cheiro do açougue! Vários! Externos e
 internos. 

Os sons!

- O Arceste recolhendo os bois para o abate. As vezes uns bois se rebelavam e pulavam as cercas e nós, espectadores, subíamos o que estivesse pela frente para nos sentir a salvo e não sermos pegos por eles.

- A "mangueira" do açougue, o cheiro de chouriço, as linguiças, o torresmo sendo prensado e o cheiro rescendendo para a casa da Nona que era ali encostado, só tinha um corredor de 2 metros de terra que os separava.
Até hoje adoro um torresmo.
E tem vezes que chega a me dar vontade de chorar. É quando como um torresmo prensado, pois me vem à lembrança os cheiros da minha infância...

- O cheiro do porão da casa da tia Cema cheio de garrafões de vinho e mofo.

- O cheiro e o barulho do bar que ficava na outra esquina da casa da tia Cema. Fui lá pela primeira vez com o Tio Tide. Lembro-me de ter ficado toda orgulhosa pois pela primeira vez alguém (ele) pediu um Martini com cereja especialmente para mim, num bar.

- O ingá da tia Cema. A Ena, a Dete empoleiradas nele. Tem foto por ai desse ingazeiro.... Vou achar!

- O cheiro que ficou no fusca da tia Cema quando um dia fomos buscar vinho de colono e o vinho começou a estourar dentro do carro... Foi então que percebi o processo da fermentação do champanhe...

- O cheiro da cachaça que fui buscar com o Renato num alambique... Que saudades do Renato, do seu jeito e seu sorriso. Ele sempre dirigia encostado na porta do carro. Meio torto e com o braço para fora... Seu sorriso largo, zombeteiro!

- O cheiro das revistas que algumas vezes ajudei meu primo a separar para fazer as devoluções em Timbó. Revistas estas que eu lia, todas, na venda da tia Cema.

- O “gasozão” que era servido na casa da nona. Mandado comprar na horinha que sentávamos à mesa.


- Eu e a Dete indo pela primeira vez para “o caminho do Blumenau”. Ela dirigindo e eu dando força moral. As duas, gritando, ao cruzar com os caminhões da estrada.

- Os cheiros de madeira de Rodeio são capítulos a parte!
Além do cheiro da "lenha" queimando no fogão, tinha o das madeiras das casas, dos armários.
Cheiro de madeira queimando nas ruas. Talvez viesse da fabrica de madeiras que fazia potes para farinha, colheres de pau .
Também exalavam um cheiro delicioso de madeira fresca os “montes” desses objetos descartados pois tinham algum defeito.
Até os operários da serraria cheiravam a madeira. Chegavam na venda da tia Cema cheirando a sândalo e a sassafrás.

- O cheiro das ágapes no rio, à noite perfumando tudo e os sapos barulhentos, juntamente com trilhões de pernilongos. As pessoas em frente das suas casas sentadas nos bancos de madeira, "ciacolavam" com as pernas enroladas em panos para os pernilongos não picarem.
A escolha era terrível: Ou se ficava dentro de casa morrendo de calor ou se era devorado pelos pernilongos do lado de fora...

- As serenatas nas noites de Rodeio com o Isaias tocando sanfona, a cantoria até altas horas...

O tio Erico pedindo para cantar mais uma vez “Vosto venir Nineta” e pedindo para o Conde recitar. O Pelica com seu violão...

- A Gláucia com seu sorriso e a Debi com sua covinha...

- As risadas com o Chiquinho e a neblina, branca, espessa, nas madrugadas que varávamos conversando em frente a casa da Tia Armide.

-  A loja de tecido da Selma e as antiguidades do Natal.

- O café na casa da Tia Rosa, o sorriso da Lili e o cigarro de palha no Tio Ângelo! Que saudades!

- O sorvete no bar do Osmir...

- A Ena, o Didi, o Toninho, a Dete  e não me lembro de quem mais fazendo declarações de amor para as arvores de Rodeio num sábado de madrugada...

- A Dete ouvindo suas musicas preferidas de faroeste  e o tio Tuca a musica “Picola Citta”

- A tia Cema cantando “ una caseta in canadá”

- Os ensaios do teatro para a Semana Santa. Que farra!

- O Geraldino discutindo seus primeiros números do jornal “O Corujão”...

- Os tombos de bicicleta e a lama que tinha no caminho entre a casa da Tia Armide e da tia Cema.

- A Cátia correndo atrás de mim enquanto eu andava de bicicleta, pois ela não sabia andar de bicicleta.

- As cucas do nono Celso. O cheiro e o sabor da cuca que pegávamos na carroça. O cheiro doce dos paes, doces ao levantar a toalha que os cobria. A risada e a voz do Nono Celso.

- O banheiro da casa do nono Celso e da nona Ida era para mim uma curiosidade a parte! Tinha duas portas que davam para fora. Era uma tremenda insegurança usa-lo...

- O sono na missa da manha...

- O casamento da tia Cema, com farinha esparramada no chão... E eu entrando pela janela na manha seguinte a noite de núpcias...

- A “crucula”, e a cabana que o Marcos, Renato, Celi e o Ed tentaram fazer para nós no alto do morro... Destruídos pelo vento e pela correria, pois tinha touro no pasto e tivemos que descer “voando”.

- Eu, o Ed e a Cátia dando milho para as galinhas se aproximarem de nós para depois espanta- las aos ponta pés e ver as penosas voando e saindo em disparada...Risadas ! Moleques!

Enfim são tantas as recordações... Deliciosas...

Rodeio cheio de cheiros, cheio de recordações...




Respostas recebidas:

Estou mandando fotos antigas para todos vocês e nessa busca por fotos comecei a lembrar de algumas férias em Rodeio. Algumas bem antigas... Eu ainda pequena... Outras mais recentes, mas mesmo assim lá  se vão muitos anos... A lembrança surgiu porque eu mandei para todos uma foto da nona e do Tio Tuca no corredor que ficava entre a antiga casa da Nona e o açougue... Lugares que normalmente não se fotografa. Vendo com atenção a foto comecei a me lembrar de alguns cheiros, barulhos e sensações que me lembraram de Rodeio (antigo?)... Resolvi fazer uma lista.

Resposta de meu Primo:
Pô, nossa prima olfativa (aliás, reminiscências sempre tem certa spuza de olf...) não deixou mais nada para ser dito...
Mas eu me lembro dela, Dóris, com uns 5 anos, subindo à minha frente naquela escada quase vertical para o sótão do rancho, deixando à mostra por baixo do vestido "la culata biànca" e em cada "banda" a marca verrrrrmeeeeelha inconfundível carimbada com as duas palmas da Tia...
 Baci
(MM)


Querida Tia...
 Bateu uma saudade danada daí  , resolvi escrever... Era para ser breve... Ficou maior... Não vou reler... Se pensar muito não mando... Então vai do jeito que está, as correções faço depois...
 Bjs (não sei se você v ai ter paciência de ler... mas mesmo assim lá vai...).

Resposta de minha Tia:
Querida,
Que memória fantástica! Que sensações nítidas você consegue transmitir. Recordei tanta coisa que nem eu mesma me lembrava. Aí se vê como Rodeio era lindo, rico de ricas inspirações. Acho que o teu texto "memorável" merece ser repassado para todos os que ainda vivem da nossa família.
Obrigada querida. Você me deu um lindo presente: um pouco do passado de todos nós, que não há nada que se compare. Lembranças que valem mais que uma joia rara. Aliás, acho que poucos tiveram uma infância assim.
Beijos.


Dóris Bonini

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