terça-feira, 18 de dezembro de 2012

MADONNA COLONNA UNA MADONNA DI RODEIO - SC


Durante uns anos, era só ter uma brecha na escola que já estava eu embarcando rumo a Rodeio, cidade natal de minha mãe em Santa Catarina.

Rodeio é uma pequena cidade que foi colonizada por italianos vindos da região de Trento,  e em Julho e agosto de 1978 mais uma vez estava eu lá... Passando férias!

Como de costume eu passava muito tempo na casa da minha Tia Cema “sfrugnando” livros, fotos e documentos antigos. 

Tia Cema já havia me contado que o Sr. Natal, esposo de sua prima Selma, era um colecionador de antiguidades e que estava guardado em sua casa, o acervo do museu “Eugenio T.” que havia sido montado para a comemoração do Centenário da Imigração Italiana em Rodeio.

Seus filhos eram também meus amigos de infância e naquele ano frequentei assiduamente a casa deles e acabei conhecendo toda aquela “riqueza” que ele guardava em sua casa.

“Frei Lucínio foi um pároco de Rodeio que organizou os Registros Canônicos das famílias de imigrantes que vieram para o antigo distrito de Rodeio da Colônia Blumenau”.

Durante a época do Estado Novo deu se a perseguição aos imigrantes e seus descendentes residentes no Brasil. Documentos que podiam identificar quem era estrangeiro foram escondidos, enterrados e até queimados para não prejudicar a nenhum deles.

Natal havia dito a minha tia que estava em seu poder os “Registros de Frei Lucínio”.

Esses registros agora fazem parte do livro que ela publicou: “Histórias e Memórias de Rodeio”. 

Por um tempo acreditou se que esses Registros tivessem se perdido porem Natal os havia encontrado e na época eles estavam numa caixa de papelão no porão ao lado da escada de sua casa.

Perguntei lhe se podia olhar os livros. Prometi que teria muito cuidado ao manusear.

Natal prontamente permitiu!

Aqueles “cadernos antigos” para mim foram um achado maravilhoso! Fiquei fascinada e conversava com ele sobre minhas descobertas.

Vendo meu encantamento por essas coisas históricas e antigas, cada dia ele  me mostrava uma nova “preciosidade”.

Fiquei encantada com uma coleção chamada “Encyclopedia Portuguesa Ilustrada” de Maximiano Lemos.  Atualmente só consegui encontrar exemplares dessa coleção na Faculdade de Coimbra – Portugal.  Lembro-me de ele ter dito que na sua coleção só faltava um volume.

Lembro também de ter ficado admirada com uma imagem de uma “Santa Espanhola”. Naquela época ele estava em busca de “uma carta” que devia acompanhar a santa, pois ela tinha uma história interessante. A imagem só seria considerada rara juntamente com a carta que ele tanto procurava.
Nunca soube se chegou a encontrar a tal carta.

Porcelanas, joias, livros, documentos, utensílios de uso pessoal, partes de metal de um famoso satélite, e outros objetos que pertenceram aos primeiros imigrantes, tudo isso compunha o seu acervo.

Naquela época eu estava fazendo uma coleção lançada pela “Abril Cultural” chamada “mestres da Pintura”.  Eu lia cada fascículo e me deliciava com as gravuras das pinturas dos Mestres.

Em Rodeio, todos os dias eu ia até a casa de Natal e Selma para ver algo diferente e conversar com eles. Um dia ele chegou para mim e me disse:

- Dóris, você gosta mesmo de tudo isso aqui! Aqui ninguém se interessa por isso, ninguém dá valor. Quero te mostrar uma coisa muito especial!

Tenho gravado em minha memória a imagem dele descendo as escadas de sua casa com dois “cartuchos” na mão.

Devagar e com muito cuidado ele desenrolou o primeiro “cartucho” e todo orgulhoso falou:

- Veja o que me deram!

Ao ver o que ele me mostrava eu simplesmente fiquei encantada!

Era uma tela com a imagem de uma Madona com o menino Jesus em seu colo. 

Lindíssima!
Lembro que na tela existia uma pintura branca que não combinava com o quadro...
Posteriormente soube que os padres haviam tentado disfarçar a nudez do Menino Jesus e parte do peito da Madona com um falso “lenço branco”.

No instante em que vi aquela imagem tive a certeza de que aquela tela era uma tela de Rafael Sânzio! E eu lhe disse:

- Natal... Essa tela parece um Rafael.

Não, não sou nem nunca fui uma entendida em arte. Simplesmente a emoção me fez falar e enxergar que era um Rafael... Talvez tenha sido o famoso “sexto sentido” que toda mulher possui. Mas eu estava convicta... Se não era um “Rafael Sânzio” autentico com certeza era algo tão grandioso quanto ele!

Tentei analisar a tela de um modo mais racional...

A tela devia ser muito antiga, pois na parte inferior a tinta já havia se soltado do pano.

Eu segurei a tela da Madona em minhas mãos e enquanto eu continuava a admirar a primeira tela ele foi desenrolando a segunda.

A outra tela também era bonita, mas não se comparava à primeira.
Era uma tela com um motivo triste, passava angustia, sofrimento, mas também era de um Mestre! 

A pintura representava a crucificação de Cristo com o bom e o mal ladrão no Gólgota. Tambem se encontrava em péssimo estado de conservação e em ambas não se via a assinatura, pois estava muito descascada na parte inferior.

Com a tela da Madona em mãos eu falei para o Natal:

- Natal, essa tela parece ser uma pintura de Rafael Sânzio! Mas como isso é possível? Que coisa maravilhosa? Como veio parar aqui?

Lembro-me dele sorrir todo orgulhoso e comentar que realmente a tela era muito linda e ficou admirado com o que eu falei.

Fiquei tão encantada com a tela e tinha tanta convicção que aquilo era algo muito precioso que logo quis saber como as telas vieram parar em suas mãos.

Ele me contou que um padre da igreja de Rodeio, fazendo uma limpeza no sótão, ou porão da igreja achou as telas num canto, jogadas.
Como na parte de traz das telas estava escrito o nome de quem as doara ele resolveu devolver a tela a um de seus descendentes... No caso o próprio Natal.

Tenho uma remota recordação que o nome que estava no verso da tela era de seu avô ou bisavô de sobrenome Bellini e ao ver esse sobrenome imediatamente tracei a trajetória de como esta tela havia parado em suas mãos.

 Sim, eu tinha certeza, ou melhor, a intuição que a tela era de um Mestre!

Na casa de minha mãe existe uma Bíblia que na época era comum em muitas casas: A Bíblia da Enciclopédia Barsa.

Nessa Bíblia existe um quadro de um mestre da pintura de sobrenome... Bellini.

 Liguei os fatos... Ou melhor... Liguei os pintores!

Hoje com muito mais facilidade podemos acessar o Google e ver que:

Jacopo Bellini (1396 - 1470), foi um pintor italiano, pai de dois outros pintores conhecida Gentile e Giovanni Bellini ( 1430 - 1516), sendo que Giovanni Bellini (1483- 1520). é o mais famoso da família. Rafael Sânzio (1483 – 1520) foi contemporâneo dos filhos do pintor Jacopo.

Naquela época fiz a pesquisa em alguns livros que ele mesmo possuía e cheguei a seguinte conclusão:

Rafael e os irmãos Bellini foram contemporâneos e podiam também ter sido amigos e quem sabe um presenteou o outro com uma tela?

 Essas telas passaram de geração em geração e "talvez" as gerações futuras não deram tanta importância a uma tela que sempre esteve em casa...

Passou pela família simplesmente como uma bela e respeitada imagem de uma “Madona” que por fim acompanhou uma família (Bellini) que imigrou  para o Brasil e a tela foi doada para a construção da primeira Igreja local, construída pelos imigrantes.

Simples assim! ( O simples as vezes é mais complicado)

Essa foi a explicação que encontrei para essa tela  aparecer em Rodeio.

Natal ficou tão contente com minha paixão e a teoria que fiz da “aparição da  tela em Rodeio” que antes de eu voltar para minha casa me presenteou com um pequeno quadro de uma Nossa Senhora da Saúde e lembro-me dele ter dito:

-Não posso te dar “aquela tela”, mas leve esta como recordação!

Eu tenho este quadro guardado até hoje com muito carinho!

Comentei com várias pessoas tanto em Rodeio como com meus parentes em BH sobre o meu achado e quando voltei para Belo Horizonte procurei um professor de belas artes na Galeria Guignard para ver se ele podia me ajudar, a saber, mais sobre a tela...

Queria saber de que ano ela era. Se era mesmo da época do renascimento! 

Lembro também de ir até Ouro Preto a procura de um professor que poderia me ajudar nessa questão.

Um professor me orientou que a primeira coisa que devia fazer seria datar a tela. Ele me disse que “existia um teste de Carbono 14” que era muitíssimo caro e ainda não se fazia no Brasil... Mas que eu poderia ter uma “ideia” da época da tela pela forma como ela se descascava...

 E me explicou como se faziam telas na época do renascimento. 

Tudo se encaixava: A tela se descascava como o professor havia me falado.

Liguei para o Natal e disse lhe para guardar em segurança aquela tela, era muito provável que aquela tela tivesse quase 500 anos.

Quando o Natal faleceu lembro-me de ter ligado para a Selma e lhe disse para guardar a tela em segurança... Era um objeto caro!

Quando me casei, carinhosamente Selma me presentou com umas xicaras de porcelana que eram do acervo do Natal.

Ocasionalmente conversando com as pessoas sobre alguma obra de arte eu falava que em Rodeio existia um Rafael... 

Era minha intuição... 

Deviam me achar no mínimo... Fantasiosa!

Durante bom tempo não tive noticias da tela...

Anos se passaram até que em 1993 minha tia Cema me ligou avisando para que eu visse uma reportagem que iria passar no “Fantástico”: Um médico, colecionador de arte, havia comprado à tela e depois de muitas pesquisas acreditava que a tela realmente poderia ser um autentico Rafael. 

Esse homem dedicou parte de sua vida a esta tela!

Torço para que ele consiga descobrir quem foi o autor de uma tela tão magnifica e continuo acreditando... É um Rafael autêntico!

Em 1993, quando soube que a Selma havia vendido à tela da Madona perguntei lhe sobre a outra tela... A do Cristo no Gólgota. Ela me disse que também havia sido vendida.

Ocasionalmente perguntava a um ou outro se tinham noticias da tela. Mas não ouvi nada... Nenhuma noticia. Só que estaria num cofre na Inglaterra.

Mês passado novamente me ligam avisando que o médico que comprou a tela da Madonna lançou seu livro que narra sua história com a tela que comprou. 

Imagino as dificuldades que teve e continua tendo para que o mercado “autentique” sua “Madona”. 

 Relembrando os fatos me veio hoje outra teoria, quem sabe se não for um Rafael pode ser um Bellini?

( Amauri Cadore, o proprietario atual da tela escreveu um livro que se chama "A Descoberta". Confesso que não consegui ler o livro. Continuo acreditando que ela é verdadeira e pelo que folheei não me parece que ele tenha conseguido provar que a tela é original. Um dia ainda lerei esta obra... Caso queiram maiores informações é só seguir este link : http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/variedades/noticia/2012/11/catarinense-diz-possuir-original-de-quadro-renascentista-e-lanca-livro-sobre-a-historia-3966680.html) 


Um comentário:

  1. Olha, por volta do início dos anos 90 essa tela foi objeto de uma reportagem do Fantástico, sob o argumento exatamente de que seria o original de um quadro de Rafael chamado Madonna Colona, que atualmente está num museu da Alemanha. Eu era criança na época da reportagem, mas arrisco dizer que foi exibida até no máximo 1993.

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