“As viagens por mar eram tristíssimas, dolorosas. Os navios deviam comportar 300 pessoas; no entanto era normal o amontoamento de até 800 pessoas. Crianças e velhos morriam doentes, fragilizados, consumidos. Os imigrantes vinham “enlatados como sardinhas”, tudo em função do lucro perseguido pelos agentes da imigração, famintos de suas comissões financeiras. Vinham aglomerados em “buracos de ratos”, no dizer dos próprios imigrantes, ou em “ninhos de aves” (Grosselli), disputando o espaço com animais, o que contribuía para disseminar e acelerar as epidemias em plena travessia. Casos de infecções várias, estados febris agudos, atingiam crianças e adultos. Velhas feridas se complicavam e se reabriam exalando o seu odor pútrido, e que fatalmente se transformariam depois nas dolorosas erisipelas (zipra, rosapila, assim como as constantes icterícias ( mal zald), que atingiria dezenas de pessoas. Mulheres grávidas davam à luz, esposas desesperadas atiravam-se nos braços dos maridos suplicando que retornasse. Pouco a pouco, mais e mais mortes ocorriam. Os que morriam eram “ensacados” e jogados no mar; às vezes com os corpos ainda quentes, iam direto para as bocas dos peixes. Os trentinos, por serem muito católicos, organizavam o funeral religioso, rezando e cantando para “elevar ao céu” as almas que partiam deste mundo para sempre. As tempestades e o calor do Equador, a comida escassa, a “nostalgia”, eram fatores que acresciam ainda mais o sofrimento pela perda dos entes queridos, formando-se o pânico no íntimo dos pobres imigrantes diante das tragédias que se sucediam impiedosas. De acordo com a legislação francesa, só havia médicos e remédios nos navios que partiam de Marselha e Le Havre; para os que embarcavam em porto italiano não havia essa providência, porque a lei italiana não previa. A travessia durava 30 dias em média, com navios a vapor. Com navios a vela a viagem podia durar até 60 dias. Também podia ocorrer, às vezes, o retorno ao porto de embarque quando as embarcações apresentavam avarias, ou desvios de rota por causa dos ventos, ou perda do destino, como no caso do veleiro “Gabriella”.
As crianças que nasciam nos navios eram registradas no Brasil. No registro oficial eram inscritos apenas os chefes de família e os solteiros. Eles eram conduzidos até as hospedarias com todos os familiares, no aguardo do seu destino final. Na lista de recepção dos imigrantes de 1875 verifica-se uma forte incidência de nomes tiroleses – a maioria agricultores, entre os quais carpinteiros, alfaiates, ferreiros, jardineiros, mineiros, maquinistas, marceneiros, fabricantes de carros, de tijolos, um ou outro cozinheiros, agrimensor, carroceiro, envernizador e molineiro. Isto nos dá suporte à tese de que nem todos eram analfabetos ou desqualificados. Essas profissões sugerem que a leva trazia gente com determinados conhecimentos, com fundamentos básicos de escola ou de técnica italiana.
( Trecho do livro : Histórias e Memórias de Rodeio, Iracema Maria Moser Cani – Ed. Uniasselvi