terça-feira, 23 de outubro de 2018

O Noivado Rompido



Carolina percorria assustada a distancia entre a casa de seus pais e a de seu irmão. Olhava para os lados a procura de algum perigo. Temia que algum índio da região pudesse estar por ai escondido no mato ou temia algo pior!
Ele havia dito que a mataria!
Que ela não escaparia! Que se não se casasse com ele, não casaria com outro.
Apesar do medo sentou se numa pedra pois o calor estava insuportável. Era um  daqueles dias de calor úmido que sufocava. O suor encharcava suas roupas e as gotas caiam sobre a sua face e a vontade era de gritar ou chorar; isto se tivesse força ou escolha, mas não podia se dar a esses tipos de “luxo”. Era filha de imigrantes que desbravaram aquelas terras do Caminho dos Tiroleses. Seus nonos e tambem seus pais tiveram que derrubar a vegetação, domesticar aquela terra paludosa, plantar sementes, e lutar contra os indios que eram os donos da terra.  
Recostou numa pedra que brotava do chão e que estava causticante de tão quente. No mesmo instante arrependeu-se se da escolha, mas não tinhas forças para continuar. O medo, o calor, as recordações a fizeram estancar!
As recordações...
Fechou os olhos e reviu em sua mente as cenas que a acompanhavam desde que Bepe havia incendiado seu lindo enxoval.
Lembrou então do tempo perdido na feitura do enxoval que há anos era seu balsamo. Tomara seu pouco tempo disponível e preenchera seus dias. Ela costumava se distrair do trabalho estafante nas roças  pensando em qual tecido comprar, qual motivo bordar, que cores usar.  O tempo passado a bordar, enfiando o fio das linhas em agulhas para bordar e rebordar nos tecidos. Era neste tecido que bordou muito dos seus sonhos e de moça de 17 anos... (1)

Seu sonho era a continuação do sonho de seus pais que imigraram da Itália para o Brasil em busca de uma vida mais tranquila, mais digna, mais livre, mais justa pois no tempo que seus pais imigraram para o Brasil, a situação politica e econômica na Itália não andava muito boa... Guerras, pobreza e a igreja...

- La chiesa... Ora mai sempre a decidere la nostra vitta!

Mas eram catolicos. Seguiam tudo o que o padre mandava...

O olhar de Carolina vai para o rio que passa ali perto e ao longe vê a terra  revolvida para receber as semente de arroz onde trabalham homens e mulheres. O sol brilha na água que escorre mansa no seu curso e o cheiro forte das flores dos aguapés deixa um forte aroma doce no ar. Ela fecha e abre os olhos e dando um longo suspiro chega a coragem para seguir adiante.
De repente um presente. Sob o sol quente uma brisa ligeira, fresca bate em seu rosto e novamente ela para a caminhada para poder respirar.  Respira e sente com mais intensidade o perfume das flores e do mato e começa a se sentir mais confiante quando ouve ao longe um barulho, um trote veloz, um cavalo! Como se tivesse sido atingida por um relâmpago o medo toma conta novamente de seus pensamentos. Sentimentos misturados: medo, pavor, esperança que não seja Bepe e sim um de seus irmãos que chega para a proteger...
O barulho se aproximava e ela sente as pernas tremerem quando  vê um homem montado num cavalo tordilho se aproximando. É ele! São aqueles olhos, aqueles lindos olhos que a fazem sonhar... Olhos que parecem um sol dourado, brilhante, navegavando entre torres negras de cílios e a pele queimada de sol, do trabalho no campo.
Soltou então um suspiro de resignação, rendição! Seria o fim ? Ele iria mesmo mata la ?
E tirando forças do proprio medo  pergunta ao cavaleiro que chegou:

- E Adesso cosa voi far ? Vero che avrai il coraggio di amassar-mi ?

- No, Carolina, non lo faro. Respondeu ele.

- Non ti amasso! Non ho il coraggio per fare chesto. Sono rimasto tutta la note a rivolvere in letto. Non sapevo cosa fare. Lo só che tu non sei la risponsabilie per chesto mas si quelli padri maledetti. La sola ocupazione che hanno é vedere roba bruta per tutti i posti e tengono in mano la nostra vitta!
Ma te lo dico ancora una volta: io ho avuto niente con quelli done. Sono stato a lavorare tutta la domenica. Quegli doni sono state a  casa per via di Aldo e Giovanni. Io nemiga ero a cá e é per chesto che sono rivoltato... Io non posso essere culpavele per havere amici cosi... Il tuo padre nemiga ha voluto parlare con mé. Ero  dietro a lavorare in casa dei miei padroni. Suo padre Ha soltanto ascoltado le ordine del Frei che a detto che figlia di Fiamoncini non si sposa con un uomono che porta putane a casa... Eravamo fidanzati... Eravamo per spozarci... e adesso i nostri sogni sono cenere davanti alla sua finestra... Ehh... ho fatt una bell FUOCO...

Carolina pensou em falar algo, mas ele soltava as palavras sem interrupção. Não estava furioso como na noite anterior e resolveu que era melhor não interromper aquela enxurrada de palavras que brotavam como um rio desembestado fora de seu leito. As palavras saiam de sua boca de forma bruta e vinham acompanhadas de caretas, gestos e um olhar fixo no seu!
Ele continuou...
- Sente Carolina... Io me ne vado... Vado via.... Per sempre... Non ritorno piu in chesta terra... ma te lo giuro... non mi spozero mái...mái... non hai bisogna di paura... ma tu non mi vedi piu...

Ao terminar seu desabafo Bepe tinha os olhos mais úmidos... Carolina olhou para ele e viu que nada mais podia ser dito ou falado. Estava ali no meio do caminho, entre sua casa e a casa de seu irmão... Se acaso um de seus irmãos chegasse e a vissem conversando com Bepe uma tragédia poderia acontecer e, além disso, continuava com medo de que algum índio aparecesse... Bepe virou o cavalo e ela o seguiu com o olhar... O sol a impediu de ver seu rosto, o que via era uma sombra delineada pela claridade ofuscante do sol que se distanciava...
Um homem sobre um cavalo que partia para nunca mais voltar.

Carolina preocupada retomou o seu caminho. Mentalmente reviu a cena da noite  quando Bepe chegou em sua casa e soube da decisão de seus pais.  

Bepe em uma pensão que ficava bem em frente à igreja da cidade. Ele morava com tres amigos, era uma “republica de jovens”.  No domingo anterior ficara o dia inteiro na fazenda de seus patrões a trabalhar. Seus amigos convidaram algumas mulheres de fora. Mulheres sem família... Mulheres de vida fácil... Putane... O padre da cidade ao terminar a missa e passando em frente à casa viu a bagunça que eles faziam e não gostou nada do fato... Foi logo contar para Vitoria e Giovanni.

A verdade porem pode ter sido um pouco diferente do que a Nona Carolina me relatou. O motivo do rompimento não deve ter sido somente a presença de mulheres na pensão com os amigos de Bepe, mas sim outro fato agravado com o  que aconteceu em Rio dos Cedros: um atentado a casa paroquial.

É fato que todos andavam muito tensos na região com o que havia acontecido em Rio dos Cedros quando alguns “Anarquistas” explodiram a casa paroquial.

No dia 29 de abril, na noite de sábado para domingo, lá “Pelas 11 horas da noite, quando todos os moradores da casa haviam se deitado, explodiu a bomba, que fora detonada por meio de um pavio... O assoalho do quarto foi arrancado e a cama, na qual o padre Modestino dormia, foi arremessada até o teto. No quarto ao lado dormia Frei Policarpo, superior do Convento de Rodeio que havia vindo ao Rio dos Cedros para auxiliar o pároco”, pois no domingo estava marcada a primeira comunhão de cerca de 180 crianças.
A verdade é que já faziam alguns anos que a região estava atormentada. Desde 1895 quando Giovanni Rossi (Cardias), líder comunista havia morado em Rio dos Cedros diziam que muitos imigrantes haviam sido totalmente descristianizados por ele... Entre eles estaria o Carlos Dorigatti, Andrea Largura e o Lensi e outros mais do Caminho dos Tiroleses. Eram partidários do amor livre, do aborto, enfim, de tudo o que a Igreja combatia.

Frei Policarpo Schuhen, o superior do convento de Rodeio, era um homem severo e exigente. Para alguns era um anjo na terra, um homem de bondade. Rustico, precipitado, mas extremamente zeloso como vigário da Paroquia de Rodeio. Sempre preocupado com a vida espiritual da cidade e em como encaminhar aquelas almas para o “camino di Dio”. Não queria que esses seus fiéis se deixassem levar pela bebida após um dia de trabalho tenebroso... Ou pior serem infiéis.  E ele frequentava com assiduidade a casa dos pais de Carolina; Giovanni e Vitoria, todos vindos da região de Trento em 1875.
E foi ele, Frei Policarpo que determinou que Carolina não devia se casar com Bepe! Giovanni ( Nono Titi) e Vitoria obedeceram... Carolina também.
Quando Bepe soube da decisão, veio enfurecido. Recolheu alguns moveis que havia comprado, entrou em casa e tirou o enxoval que ela estava preparando e pôs fogo em tudo, bem de frente a janela de Carolina.
Dentro da casa Carolina  olhava e chorava. Viu seus sonhos se transformarem em cinzas, foram embora com a fumaça...

Carolina com seus 17 anos ainda não podia saber mas poucos anos se passariam e ela se casaria com um grande amigo da família: o viúvo Marcelo Moser e teria muitos filhos. Somente iria rever Bepe novamente muitos anos mais tarde. Já viúva, idosa, voltando de uma viagem que faria para visitar sua filha Miriam em Juiz de Fora. Ao pegar o ônibus em Blumenau com destino a Rodeio um senhor idoso se sentara ao seu lado e eles se reconhecerão...

Carolina, Nona Vitoria e Rosa
(Esq para Direita)
Terão então uma breve conversa.

- Sei tu Carolina ?

- Si Bepe sono io !

Então ele com os olhos embaçados da idade e umidos da emoção,  lhe dirá que estava voltando para rever o local onde passou uma parte da sua juventude. Dirá também que viveu junto a uma mulher mas não se casou e nem teve filhos.

O pequeno trajeto não dará muito tempo para conversarem ( Talvez o trajeto tenha sido Timbo/Ascurra). E se despedirão...
Haverão passados 58 anos...
(1)     – Muitos, muitos anos depois, já em seu leito de morte Carolina receberia a visita de uma neta, Cátia, com também 18 anos e lhe diria:  Eu também já tive 18 anos... Como passou depressa.
(2)    -  Em 29 04 1911 ocorreu um atentado com bomba de dinamite em Rio dos Cedros. Segundo a historia um tal de Emembergo  Pellizzetti teria colocado a bomba na casa paroquial sob o quarto onde dormiam Frei Modestino e Frei Policarpo (de Rodeio) para impedi los de realizarem a primeira comunhao de 180 crianças
FATO HISTORICO
A historia acima é um pouco da verdade por ela mesmo me contada. Um pouco de romance e uma pesquisa cruzando as datas dos fatos acontecidos.
Nona Carolina me contou que estava noiva de um rapaz que não lembro o nome e aqui na historia coloquei como Bepe. Mamãe e Tia Cema dizem que pode ser um tal de: Trevizani que não morava em Rodeio. (David Trevizani. Era de Rio do Sul ou Rio do Oeste).
A Nona havia contado esse fato há poucas pessoas. Na realidade a própria tia Cema me contou que só soube do caso depois que ela (Nona) me contou.  
Segundo a Nona ela tinha quase 18 anos quando estava noiva e teve o noivado rompido porque o padre da cidade havia estado na sua casa e falado com seus pais que ela não poderia se casar com o noivo, pois o mesmo andava em más companhias. Eu perguntei a nona e ela me disse que deve ter sido por causa das mulheres que iam visitar os amigos na pensão.
Ela me contou que ele realmente chegou à frente da janela e gritando a chamou para em seguida colocar fogo em alguns pertences dos dois.
Também disse que um dia a partir desse dia ficou sendo vigiada pela família a fim de não encontra-lo e um dia indo levar o almoço para os irmãos, ela parou no meio do caminho para descansar e sentou numa pedra. Enquanto descansava viu surgir o ex-noivo que disse para ela que ia embora e que nunca mais se casaria.
O ex-noivo trabalhava numa fazenda perto ou em Rodeio.
Nunca mais teve noticias dele até no dia que retornando de uma viagem a Juiz de Fora para nos visitar ela vê um senhor idoso sentado ao lado dela. Era ele. Eles se reconheceram e tiveram a conversa que relato acima.
O atentado a casa paroquial aconteceu e foi exatamente quando ela tinha 17 anos. Acredito que este tenha sido o fato que motivou o rompimento do noivado.
(2)     – Muitos, muitos anos depois, já em seu leito de morte Carolina receberia a visita de uma neta, Cátia, com também 18 anos e lhe diria:  Eu também já tive 18 anos... Como passou depressa.
Bibliografia:

Familia Viuva Carolina Margarida Fiamoncini Moser - Decada 1950 

Carolina M. Fiamoncini Moser - Decada 1970
Na casa da Tia Cema 


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