Nas férias eu ia para a cidade natal de minha mãe; Rodeio - Santa Catarina. Meu bisavô viera de "Faida di Piné", Trento, Itália, imigrando para o Brasil como um colonizador da cidade.
Em Rodeio morava a minha "nona", minha "Tia Cema" e outros queridos tios, tias, primos, primas e amigos.
Lá os costumes eram completamente diferentes da cidade onde eu vivia, eu só ouvia as pessoas conversarem em italiano. Tudo era diferente... o estilo das casas, os ranchos de madeira nos fundos das casas, o açougue de meus tios, o fogão a lenha. Tudo tinha um cheiro diferente, o ar era perfumado e podia se sentir o cheiro da lenha sendo queimada nos fogões.
Na maioria das casas o banheiro ficava nos fundos das casas; as famosas "patente". Um "pinico" ficava debaixo da cama para não que não precisássemos sair da casa durante a noite e ir até a patente pois ou o frio,ou o sono, o medo do escuro tiravam a nossa "coragem" .
O banho era tomado em uma grande bacia de aluminio, o chamado banho de "canequinha".
Em criança, eu tinha certeza que ali era a "Itália!
O texto abaixo faz parte do livro que minha querida tia Cema escreveu. Tenho a autorização dela para transcreve-lo e tenho certeza que voce vai gostar:
"Como primeira língua, o dialeto se impôs fortemente na infância das primeiras gerações através da comunicação oral, prevalentemente no seio familiar, além da exploração regular de inúmeras poesias, cantilenas,adivinhações, histoiretas e inúmeras brincadeiras em momento de lazer.
As cantilenas ou filastrocche eram formas prosaicas ou poéticas de lengalengas, ora suaves, ora enfadonhas, ora engraçadas, quer serviam de instrumento oral para entreter as crianças nas suas inocentes situações infantis. As adivinhações ou indovinelli mantinham as crianças atentas e curiosas, principlamente nos dias invernais ou chuvosos, em que as condições de tempo e espaço deviam manter as crianças mais brigadas. Eram forams simples e interessantes de entretê-=las e que contribuíam espontaneamente à ativação e ao desenvolvimento do raciocínio.
Seguem alguns modelos simplórios arquivados oralmente na memória de nosso povo e que imprimiram o saudosismo da infância de outrora, terna e distante:
- El Tonin lè ná sui copi, a zercar i ovi rossi,
ovi rossi no ghe n´éra, el Tonin el casca en tera,
e so mare meza mata, a repezarghe la culata (Há outras versões)
(Cantilena que fala de Antoninho, um menino peralta que sobe nas árvores para procurar ovinhos vermelhos. ele cai por terra, rasgaas calças e sua mãe desesperada acorre para remendá-las)
2- Córvo, corvàcio, fa la tonda al me palazio
Se staserano te la farai, doman matina te creperai. ( Ine - fragmento de historieta)
(Cantilena que expressa uma maldição - por isso a invocação do corvo, ave de mau agouro)
3 - Tan ´de naz, tan´de past, tan´de bis, tan´de sghit, long´cosi.
( uma brincadeira com o nariz)
(Brincadeira na qual o adulto fazia trejeitos no rosto das criancinhas)
4 - La luce infinita, il sol tramontò,
Un giorno di vita, anca oggi passò. ( Ine - trovinha da Esola Italiana)
(Expressão poética: A luz infinita, o sol desceu; um dia de vida também hoje passou)
5 - Son venuto da Monte Belo, su´n cavalo e un asinelo
e lo fato ben trotar, per venirte ritrovar. ( a criança cavalgando no colo do vovô)
(Eu vim de Monte Belo, num cavalo e num asno, eu os fiz trotar, para vir te visitar) (poesia)
6 - Andemo ala guerra, con sciòpi de terra, con sciópi de man, pichen pan! ( Brincadeira de marcha)
(Vamos a guerra, com espingarda de barro, com espingarda de mão, pimpão) ( Em marcha)
7 - Storia memoria, che la dura molto tempo, che mai la se destriga
(Vot che te la conta, o vot che te la diga ? - Dimela ! ( Para recomeçar sempre a mesma historieta)
(História, memóira, que dura muito tempo, que nunca se extingue. Queres que eu te conte ou queres queeu te diga ? Diga-me) . ( cantilena repetitiva, que aborrecia as crianças)
8 - Pindolin, che pindolava, pelosin che lo vardava,
Se ´l pindolin fussa arent, pelosin saria content. ( indovinello : Araci Pasqualini)
Resposta : o gato e o salame
(Pindolin em dialeto se refere ao salaminho pendurado. Pelosin refere-se ao gatinho olhando para o salame. o trocadilho traduz-se em : Salaminho balançando, gatinho observando; se o salaminho estivesse perto, o gatinho estaria contente. Obviamente a tradução não favorece a rima original do italiano)
9 - Santa Kycuam nana nuam oirta riba ´n casa nuam
Se la mama no la ghe´n mete, resta voide le scudelete.
Co´la tasca del papá, Santa Lucia vegnirá. ( filastrocca para a noite de Santa Lúcia, 13 de dezembro, quando as crianças colocavam o pratinho com açúcar na janela, à espera dos doces pintados. Acreditavam que a santa era cega, guiada por uma mulinha que passava pelas casas das crianças obedientes prenunciando o Natal).
(Santa Lúcia minha mãe, traz presente em minha casa, se mamãe não colocar, a bacia fica vazia. Com a carteira do papi, Santa Lúcia virá)
10 - La rasa, la sgrasa, la gira per casa,
Tuti i la sente e nessun´i la vede . (Indovinello: Araci Pasqualini)
Resposta : gases, fedor.
( O cheiro de gases percorre os recantos da casa, todos sentem os odores mas ninguém os vê)
11 - Velo dico, velo trovo, velo torno a dir de novo, e no ve lo dico più. (Indovinello: Anice Tambosi)
Resposta : O véu, usado na igreja pelas mulheres.
( Trocadilho de difícil tradução resultante de palavrasdialetais análogas: velo = véu, o qual se confunde com o pronome "vós".)
12 Recia drita, parola maldita, recia sanca, parola franca.( simpatia: coceira na orelha direita, alguém estava falando mal da gente; na esquerda, bem).
Existem também exp0ressões de caráter profano, não consideradas obscenas, reveladas intimamente como formas corriqueiras, escancaradas e hilárias, que provocavam naturalmente a libertinagem do dialeto nasvariadas interpretações sobre a fisiologia humana. Por exemplo : Gambe aiuteme e cul vègneme drio, expressando que a pessoa está com pressae por isso anda ligeiro. Ou esta : Tromba di culo, sanità di corpo, aíuteme culo, senò son morto, expressando a necessidade dalibertação de gases, uma crença antiga para o bom funcionamento do aparelho digestivo. "
(Histórias e Memórias de Rodeio - Iracema Maria Moser Cani - Ed. uniasselvi - 2011- Pag 251)
Hoje, dia 02 de Janeiro de 2021; fiquei responsável por ligar para minha avó que mora em Veranópolis (RS) para dar a notícia que o irmão mais velho dela acabou de falecer.
ResponderExcluirComo eu sou pastor, decidimos (no grupo de whatsapp da família) que eu ligaria para aproveitar e orar com ela.
Quando contei ela chorou um pouco e eu comecei a orar por ela. Depois que terminei a oração ela falou:
- Jeferson, tu acredita que hoje cedo senti algo na minha orelha direita? Os italianos antigos diziam: RECIA DRITA, PAROLA MALDITA; RECIA SANCA, PAROLA FRANCA. Eu imaginei que alguma coisa ruim iria ouvir.
Eu nunca tinha ouvida essa frase, apesar de crescer em meio aos italianos (nasci e cresci no RS, mas sei que meus avós vieram da região de São José do Ouro-SC). Sei falar apenas poucas palavras do dialeto da região, mas entendo quase tudo quando eles falam.
Como bom internauta joguei a frase no grupo: RETCHA DRITA, PAROLA MALDITA, RETCHA SANCA, PAROLA SANTA (TINHA ENTENDIDO ASSIM). Acabei caindo nesse site - OBRIGADO PELA CONTRIBUIÇÃO NA HISTÓRIA :D).
A história ainda não acabou... Eu sou pastor e acredito muito em "sinais". Um deles é quando "Deus quer chamar minha atenção" porque "quer falar algo comigo" (não sei se vocês creem, mas é verdade): O sinal é literalmente "um sopro" que vem na minha orelha esquerda!
ACREDITEM SE QUISER! Tudo que relato acima é tão real como o ar que eu respiro!
Pr. Jeferson Rosa
Nascido e criado em Veranópolis (RS)
Atualmente morando e pastoreando em Contagem (MG)
Jeferson, que bom que gostou. Tambem acredito que Deus envia sinais ! Um grande abraço e um Feliz Ano Novo !
Excluir*joguei a frase no GOOGLE (correção do depoimento)
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