Não tinha
negociação. Hora de almoço e jantar era todos juntos á mesa, almoçando e
jantando na mesma hora.
Claro que
tentávamos fugir do ritual da mesa afinal era jovem e tínhamos muito para ver,
fazer ou mesmo não fazer nada: só ver TV. Eu já era magérrima e isto deixava
meus pais preocupados porque eu mal me sentava á mesa e já queria sair. Mesmo
assim, foi em volta da mesa que conversei muito com ele e foi ali sentada que
deve ter nascido essa minha vontade de ficar procurando historias da família.
Era em volta da mesa que ele contou a sua historia. . Não é que tínhamos uma
vida social agitada, mas nossa casa era frequentada por amigos, parentes
distantes e próximos e como uma boa família italiana era em volta dela que a
conversa se desenrolava. Muitas vezes, após o jantar ou o almoço do domingo,
saiamos dela e íamos para a sala, conversar, ouvir musica e às vezes dançar.
Naquele
tempo, e nem é tão distante, tínhamos o costume de ouvir musica e dançar na
sala das casas.
Quantos aniversários
e réveillons eu fiquei de “DJ” ao lado do toca disco para fazer o povo
dançar. Era divertido.
Meu pai
chegou ao Brasil em 1952. Veio a bordo do navio “Corrientes”.
Lembro-me
dele contando das recomendações feitas pelos amigos com relação à alimentação
no Brasil, no caso Rio de Janeiro: não beba água a não ser a mineral, não coma
em qualquer restaurante, não coma feijoada.
Assim que
chegou ao Rio de Janeiro ele foi apresentado à famosa “feijoada”. Ele se sentiu
enojada com aquela “gororoba” preta e gosmenta, mas foi só comer uma vez e
ficou um eterno apaixonado pela iguaria brasileira.
Antes de
chegar ao Brasil meu pai havia morado por uns três anos na Bélgica trabalhando
nas minas de carvão em Liége. Hoje esta
mina foi fechada e contam historias terríveis sobre ela de como era perigosa e
como sofriam os que lá trabalhavam. Ele
contava que tinham um sistema de proteção que para a época era bem moderno
porem também dizia que a mina era terrivelmente perigosa, pois era muito grande
e funda. Ele trabalhou nas minas logo depois da guerra para juntar dinheiro que
começou a mandar para seus pais. Com esse dinheiro seu pai pode comprar uma
vaca que fez historia na família: La Muca Perla. A tal vaca era uma vaca
premiada, mas que havia tido uma infecção em uma das tetas e por esse motivo
foi vendida muito abaixo do preço. Essa vaca recebeu atenção especial na casa
de meu Nono Daniele pois ele pode voltar a fazer manteiga e queijo para família
e vender o excedente.
Para ela foi
separada uma grande “campana” (sino) com um largo cinto de couro e com uma
fivela feita de estanho e prata toda trabalhada.
Quando
estive na Itália visitando meu tio Evelino ele me deu de presente a tal
“campana” dizendo que por mérito era de meu pai, pois foi ele quem mandou o
dinheiro para comprar a “Perla”.
Fiquei muito
contente com o presente e resolvi vir com ele numa sacola de mão juntamente com
vários itens proibidos para viagem como queijos, salames, funghi, bresaola
etc..
Tentando dar
uma de esperta eu coloquei sobre todos estes itens que queria esconder uns
absorventes higiênicos, pensando que o policial que fosse me revistar ia se
sentir incomodado em colocar a mão em itens tão femininos...
Que vergonha
passei achando que estava sendo esperta... Não lembrei que deveria passar pelo raio-X
na hora de fazer o check-in e assim que minha sacola começou a rolar pela
esteira um alarme disparou. Eu fiquei nervosíssima, já estava preocupada, pois
havia entrado com um dinheiro a mais na Itália e não havia declarado... Estava
retornando com ele, mas como provar? A sirene caiu como um raio em mim. Fiquei
desnorteada e a funcionaria me perguntava o que eu levava de metal na sacola.
Apesar do peso absurdo do sino eu só me lembrava dos itens “proibidos” que
carregava.
Como viam
que eu não respondia um “carabinieri” armado foi chegando perto de mim de forma
ameaçadora... E eu ficando mais bamba. Resolvi então abrir a sacola e tentar
descobrir o que havia lá dentro e comecei a colocar todos aqueles absorventes
para fora da sacola... Morrendo de vergonha! Foi então que lembrei do tal sino.
Então, comentei com a funcionaria:
- É uma Campana!
Mi há rigalata mio zio! (É um sino, meu tio me deu de presente).
A
funcionaria olhou para tela onde havia a imagem de um objeto que estava dentro
da sacola e que ela tentava identificar. Começou a rir... Mandou fechar a sacola
e me deixou passar com tudo o que havia lá dentro e ela não viu.
Fui me
sentar no salão de embarque e para relaxar resolvi acender um cigarro. Ah! Era outro
tempo. Podia se fumar em todos os lugares: nos salões, bares, ônibus e aviões.
Era outro tempo em parte... As coisas começavam a mudar.
Acendi o
cigarro e o tal “carabinieri” que me ameaçou na hora do check-in voltou
novamente para perto de mim e se instalou á minha frente me olhando fixamente:
tudo tenso, muito tenso. Até que ele se chega perto de mim e me pede para parar
de fumar. Ufa! Era só apagar o cigarro.
Mais tarde
descobri que eles ficaram “cismados” comigo porque no dia anterior uma
brasileira havia tentado passar com uma “arma”. Acho que pensaram que era uma
quadrilha e eu devia fazer parte... Só que não!
O tal sino
ainda esta comigo e sempre que o vejo me lembro da historia da família.
Ele tem toda uma historia de reconstrução e sacrifício.
Ele tem toda uma historia de reconstrução e sacrifício.
Ir para as
minas de carvão depois da guerra era a única opção de emprego para os jovens daquele
tempo e a Itália exportou o tal “uomo carbono” - homem carvão, aos milhares. Para os
italianos este tempo é conhecido como: La schiavitu degli italiani – a escravidão
dos italianos.
Eles iam por
livre vontade, mas é porque não tinham outra opção. O pós-guerra deixou a
Itália em estado de penúria. A família de meu pai havia sido saqueada pelos
dois exércitos. Levaram toda a criação e a terra só dava o suficiente para se
alimentarem. Não passaram fome, mas não tinham dinheiro para comprar nada e o
que não produziam precisava ser comprado.
Meu pai me
falou que foi um tempo difícil porem quem me fez entender o desespero de se
subjugar a ir às minas foi meu tio Vitor Bernardara.
Ele era primo
de meu pai e um ano mais velho. Foi ele o primeiro da turma a ir para a Bélgica
nas minas.
Ele contou
que foi porque tinha muitos irmãos e eles não tinham como comprar sapatos e
outros itens. Era uma família com vários filhos. Ele se armou de coragem e
juntamente com uns 10 amigos foram para a Bélgica. Ele contou que assim que a “gaiola”
da mina se abriu para eles entrarem uns três amigos já desistiram. Antes de a
gaiola chegar ao fundo da mina outros três já tinham desistido e quando a
gaiola se abriu na profundeza da terra ele ficou sozinho. Nenhum amigo teve
coragem de trabalhar no lugar. Ele disse: Eu não tinha opção. Tinha que ir em
frente.
O trabalho
na mina era perigoso e insalubre e não era a toa que eram bem pagos.
Foi como
dinheiro que recebeu nas minas de carvão que ele comprou a vaca “Perla” e pode
ajudar os pais por um bom tempo. Ele sempre ajudou seus pais e irmãos.
A verdade é
que esses “uomo carboni” eram generosos. Ficavam o dia inteiro debaixo da terra
correndo risco de vida com os rostos suados e cobertos por uma fuligem negra
que também era inalada, mas tinham um prazer enorme em presentear as namoradas e
gastar seu dinheiro com bons tecidos, relógios, perfumes. Nos finais de semana se
vestiam com elegantes ternos. Esta paixão eles levaram para toda a vida: Sabiam
escolher um terno elegante. Isto quando resolviam colocar um terno pois aqui no
Brasil o clima nunca foi propicio para essa elegância belga e gostavam mesmo é
de tecidos leves e camisas de manga curta.
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CHIARI, DONATO OU FERRUCIO, ADOLFO, VITOR E FABIO |
Meu pai foi
para as minas e ficou por uns dois meses quando então resolveu voltar para sua
cidade mas como não achou um bom emprego e detestava a vida no campo ele resolveu
voltar. Entre “idas e vindas” trabalhou nas minas da Bélgica de 1948 até a
época de imigrar para o Brasil, começo de 1952. Seu primo Vitor já estava no
Brasil há alguns meses e chamou os amigos para participarem de mais essa aventura:
Andiam Fare l´América!
(Vamos fazer a América)
Fotos das minas na Bélgica:
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