sexta-feira, 31 de maio de 2024

LUIGINA BONINI

 

Luigina Bonini

Caiolo - *31/12/1921

Caiolo -   02/10/1940

 

 Não sei em que momento eu soube quem era ela.

 Desde que me lembro ela era somente “a irmã dele que morreu com 18 anos” e da qual pouco se falava e eu não conhecera.

Meu interesse sobre quem ela foi crescendo na medida em que os anos se passavam.

Primeiro eu quis saber quem eram os pais dele. Depois a curiosidade foi para amigos, namoradas, fatos da vida interessante que ele teve como guerra, trabalhar nas minas de carvão, imigração etc...

O nome dela não era comentado.

Foi folheando o álbum que me interessei por essa moça.

Primeiro foi:

- Quem é Pai?

- Minha irmã

- Imã? Não sabia? Onde ela mora? É casada? Mora na Itália?

- Não... Morreu nova

A forma como ele respondia as minhas perguntas passava uma sensação de coisa normal. Nada dramático. Uma morte, natural, comum... Como se tivesse morrido quando ele muito pequeno e não se lembrasse muito dela. Então comecei a fazer as contas...

Ela era só três anos e nove meses mais velha que ele. O irmão mais próximo, no casa, a irmã.

Conclui então que devem ter brincado juntos, foram próximos. E, foi “velha” o bastante para tomar conta dele e brincar com ele.

Talvez tenha sido ela que conseguiu o trenó para ele brincar de deslizar na neve quando o inverno chegava.

Era velha o bastante para se preocupar com ele quando ficava doente ou quando ele sumia nos pastos ou se escondia no estabulo ao lado da casa e passava a noite deitado no feno com os bezerros que nasciam. 

E a curiosidade aumentava.  

- De que morreu Pai?

- Ficou doente.

- Que doença Pai?

 Lembro-me da primeira resposta: ela ficou doente porque durante uma época de inverno ela saiu muito para dar injeções nas pessoas. Então pensei que ela teria sido uma enfermeira uma auxiliar talvez. Mas não. Ela só aprendeu a dar injeções naquela pequena “frazione” onde pouco conforto havia

Quando éramos crianças meu pai tinha um temor que transparecia quando ficávamos gripadas e foi somente quando soube da história de Luigina que entendi a origem do medo que sentia.

 - Olha o pulmão dessas meninas. Cuidado!

 Naquela época a tuberculose era um temor para todos. A cura só chegará durante a segunda guerra mundial. Até então ela estava disseminada em todos os lugares, pasises, e regiões. Não tinha cura e era democrática. Ou seja, não escolhia rico ou pobre. Acometia a todos chegando a ser “romantizada” e eternizada em vários romances como “A Dama das Camélias”. Como não tinha um remédio especifico a única solução era uma alimentação forte, farta, descanso e o tal “bom ar”. O bom ar eles já tinham. Moravam em uma das melhores regiões do mundo para a tal cura: Alpes Italianos. Alimentação também não era problema. Os Sanatórios estavam todos próximos. Então, acreditavam numa cura para Luigina que nunca chegou.

 - Quantos anos tinha?

- 18 anos

- Tinha namorado?

- Tinha, era um rapaz de Caiolo.

- O senhor se lembra dela? Como ela era?

- Ela se parecia um pouco com a Cátia. Era moça alegre, sorridente. Gostava de ajudar todo mundo.

 Certo dia, eu já era casada e estávamos à mesa eu resolvi perguntar de novo.

- Pai, afinal. Conta direito à história da Luigina.

- Vou te contar. Mas depois não me pergunte nunca mais! Não gosto de ficar lembrando isso.

 Então percebi que a morte dessa irmã que sempre me pareceu “natural” foi uma tragédia para meu pai. E foi exatamente isso que ele contou:

 Ela tinha aprendido “corte costura. Como se diz em italiano “fare la sarta”.

Havia aprendido também a dar injeções. Talvez tenha aprendido quando ele teve “Tifo” e quase morreu. Ou tenha herdado esse dom de cuidar dos outros de seu pai, Daniele.

O Palú é uma “frazione” de Caiolo situado na Província de Sondrio. Norte da Itália muito perto da fronteira da Suíça, uns 15 minutos. Lugar gelado, afastado da cidade com montanhas com neve perene e muitas arvores. As pessoas que ali moravam podiam ser camponeses, mas também haviam outras profissões, mas todos também eram conhecidos como: Montanari, ou povo de montanha.

Uma das profissões comuns para a sobrevivência era ser: Lenhador.

Lembro de meu pai me contar que sua mãe perdeu um filho de nome Guilherme Bonini, mas ele não conheceu. Hoje penso que esse “Guglielmo” deve ter sido o primeiro filho de minha Nonna Emília. Isso porque analisando a data de casamento dela com meu Nonno eles só tiveram o primeiro filho muitos anos depois do casamento. Acho que na realidade o Guglielmo foi o primeiro filho. Ele deve ter morrido quando meu pai nem era nascido. Digo isso porque Nonno Daniele havia se casado com uma primeira esposa que morreu no parto A criança se chamou Antônio. Ela morreu em 1908.

Nonno Daniele e Nonna Emília se casaram dois anos depois em 1910. Isso era comum. Afinal quem tomaria conta de Antônio? O tio Romeo que é o filho mais velho nasceu em 1916. Seis anos sem ter filhos? Isso não era comum naquela época mesmo porque depois do tio Romeu eles tiveram Evelino em 1919, Luigina em dezembro de 1921 e meu pai em 9/1925 quando minha Nonna tinha quase 44 anos.

Achei estranho e minha desconfiança aumentou ainda mais quando na minha pesquisa apareceu uma homenagem a um jovem chamado “Guglielmo Zamboni” que morreu em 1925 (ano que meu pai nasceu) em “Colorina” devido ao corte de arvores. Se este fosse o irmão mais velho de meu pai e fazendo as contas do casamento de Daniele e Emília ele deveria ter seus 14 anos. As coisas se encaixam. Se é esse o tal Guglielmo eu não sei, mas acredito ser bem provável.

Lembro de meu pai me dizer que muitos procuravam o Nonno Daniele para se curarem de pernas quebradas, ossos partidos etc... Ele colocava os ossos no lugar, fazia massagens e cataplasmas e benzia... Meu pai não gostava de ver essas pessoas que sempre recorriam a ele dentro da pequena casa.

 Meu pai não gostava de nos ver jogando baralho. Certo dia ele comentou que na casa dele eram cinco homens e duas mulheres... Depois que Luigina morreu era uma só. Ele dizia que com muita frequência eles jogavam baralho e ele não gostava da confusão que se transformava a casa.

A casa deve ter se transformado quando Luigina morreu. Para ele deve ter sido difícil.

Ele contou como foi difícil vê la sair da casa em uma maca... Nunca mais voltou. Foi internada no “hospital”. Sempre ia visita la. Não podia chegar perto. Ela aparecia na janela e sorria e lhe abanava com as mãos.

 Quando ele ganhou a bicicleta que tanto queria foi mostrar para ela. Ela ficou muito satisfeita ao ve lo na bicicleta que tanto almejava.

Bike sempre foi um desejo de um jovem e ele tinha seus 13 ou 14 anos.

Naquele tempo a bicicleta surgia como um símbolo do esportista, mas também foi muito usada na Primeira Guerra. Os soldados podiam andar com mais velocidade.  

Se era nova? Não sei. Era uma Bicicleta e para um jovem era um “Big presente”. Eles não eram ricos, mas a mesa era farta por conta dos produtos que plantavam, colhiam ou da criação: salames, queijos, manteiga, frutas, castanhas, verduras. No verão colhiam e faziam conservas e compotas para terem esses produtos no inverno. Tinham ovelhas que lhes dava a lã. Faziam seus próprios colchões, edredons etc... Produziam quase tudo em casa, mas havia coisas que lhes faltava. Um bom sapato, relógio, tecidos mais finos e os produtos industrializados que se tornavam o desejo principalmente dos jovens.

 Sua lembrança ficou nas três fotos que tenho dela.

A Primeira é de 1925. Ela com três anos meio. Meu pai estava sendo gestado pela minha avó.

A Segunda foto é da Primeira Comunhão. Apesar de não saber ao certo qual é ela eu tenho quase certeza que é a menina menor, toda de branca. Na primeira fila da esquerda para a direita.

A terceira foto é dela mais velha. De ter seus 17, 18 anos?

  Sua imagem forte ficou na foto, na lembrança de meu pai, nas minhas historias e seu nome esta na lapide do cemitério atrás da Igreja de São Vitorio em Caiolo.

Assim foi a breve vida de Luigina. Morreu durante a segunda guerra mundial. Meu pai tinha 15 anos. No ano seguinte a morte de Luigina começaria outra etapa da vida de meu pai...

 Ele seria chamado para o exercito de Mussolini com a turma de 1925, a chamada “Turma da Marmelada” assim conhecida porque por serem menores de idade ainda tinham direito a um pedaço de “marmelada” nos cupons de racionamento da guerra que então todos recebiam. Fugiria do exercito, se tornaria partizan, depois da guerra faria o Exercito regular por dois anos. Trabalharia nas Minas de Carvão... Imigraria para o Brasil e para quem não gostava de uma casa cheia de homens bagunceiros e barulhentos ele teria só filhas mulheres. Três ao todo... Sempre quis menino. Não veio... Ironia. Teria quatro netos sendo três meninas e um menino que ele conheceu e quando o pegava no colo sentia um contentamento sem fim.

Na última conversa que tive com ele um dia antes de morrer lembro dele recomendar muito cuidado e atenção com minha filha e meu filho a fim de que tambem não engordassem pois bebe obeso se transformavam em adultos obesos e isso não era saudavel. 








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